sábado, 26 de junho de 2010

TEM UMA COISA ESCONDIDA NO SONHO


Era uma solidão escura e pegajosa e cheirando a detergente. Eu caminhava entre as cadeiras ocupadas – não todas, algumas – por bonecos. Fantoches de pano recheados de palha seca. Nos rostos uma expressão construída de felicidade. Eu sentia que havia mais alguém ali. Alguns. Sabia pelos gemidos e por um movimento furtivo. E sempre que eu me virava na direção do movimento acordava sobressaltado. Dentro do peito uma sensação de vazio grande, feito buraco cavado sem cuidado. Doía o corpo todo, a respiração curta. “Deus!”, eu pensava. “O que isso quer dizer?”. Há quase dois meses eu tinha o mesmo sonho. Começava cedo, acordado. A sensação de buraco no peito dava uma pontada por qualquer coisa: um casal de amigos queridos convidava pra uma visita, um amigo chegava de viagem, a mocinha da novela finalmente era beijada, “não toque essa música que eu não posso ouvir...” cantava o Odair José. Odair José?! Mesmo?! Daí pra pior. O dia se arrastava, eu tinha muita sede, a boca amargava sem que eu comesse nada num fastio de dar pena. Irritado, distante, sonolento, vazio, vazio. E conforme a noite chegava ia me dando um medo, uma coisa ruim, e era dormir, sonhava. “Era uma solidão escura e pegajosa e cheirando a detergente...” Então um dia eu olhei na direção do que se mexia e não acordei. Eu tinha passado pelas cadeiras e visto os fantoches, mas voltara rápido a tempo de vê-lo, não um boneco, gente, homem como eu. Voltei e olhei pra ele e ele me olhou e eu, devagar, me aproximei e perguntei se podia sentar do seu lado. “Claro!”. Ninguém falava nada e eu só ouvia os gemidos. Eu e ele olhávamos para frente e não falávamos num receio de visagem em noite sem lua. Foi quando eu me virei e precisava ter certeza e levando a mão esquerda toquei seu peito. Era quente e batia acelerado e ele me olhava tão fundo nos olhos que parecia forçar uma porta trancada aqui dentro de ferrolhos tão antigos e tão enferrujados que o trinco abriu e as folhas se escancararam par em par num som apavorante que doeu a cabeça e minha mão aquecida espalhava aquele calor pelo braço e peito, cabeça, tronco, pernas e doía e a vista escurecia e o ar não passava na garganta e eu senti que ia desmaiar e lutava contra isso porque me parecia que eu passaria do sonho à morte e eu comecei a chorar alto e pedir socorro e fui desfalecendo e então ouvi: “Abra os olhos, respira, fica conosco!”. Abri os olhos e me vi num círculo onde todo mundo me olhava com carinho. “Ainda queres isso aí dentro?” um outro homem perguntava, a destra no meu peito. “Não!” eu respondi. “Então tira! Deixa sair!” ele me disse. Olhei o meu peito arfante que parecia avermelhado, toquei-o de leve e olhei o meu parceiro. Parceiro?! Sim, era isso o que ele parecia agora, que me disse “Vai!” com um leve acento de cabeça. Minha mão sobre o peito foi se abrindo e entre os dedos como que uma teia e eu fui puxando aquilo e com a outra mão e puxando, mais, metros, viscoso, frio e então parei. Se eu terminasse de puxar, não arrancaria também meu coração? “Não vais morrer!”, ele disse, o segundo homem. “Eu estou aqui!” me dizia o companheiro do fundo dos seus olhos castanhos. E foi só mais um puxão. Decidido, brusco, algo calculado. Acordei devagar, vindo do sono pra luz do dia nascendo num suspiro de corpo largado. As costas dele contra o meu peito e um cheiro bom de vinho e pimenta. Sorri largo e quieto pra que ele não acordasse e me deixei ficar.

HUDSON ANDRADE

14 de junho de 2010 9h31


quinta-feira, 24 de junho de 2010

Do Antigo blog (2ª Parte)

Natal na Barca

Natal na Barca

Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.

Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.

Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o. rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

— Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.

— Mas de manhã é quente.

Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

— De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.

— Quente?

— Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:

— Mas a senhora mora aqui perto?

— Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…

A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era sereno.

— Seu filho?

— É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem mas piorou de repente. Uma febre, só febre… Mas Deus não vai me abandonar.

— É o caçula?

Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo mas o olhar tinha a expressão doce.

— É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.

Joguei o cigarro na direção do rio e o toco bateu na grade, voltou e veio rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

— E esse? Que idade tem?

— Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… A última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.

Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. E agora não tinha forças para rompê-los.

— Seu marido está à sua espera?

— Meu marido me abandonou.

Sentei-me e tive vontade de rir. Incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta porque agora não podia mais parar, ah! aquele sistema dos vasos comunicantes.

— Há muito tempo? Que seu marido…

— Faz uns seis meses. Vivíamos tão bem, mas tão bem. Foi quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, me falou nela fazendo uma brincadeira, a Bila enfeiou, sabe que de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito? Não tocou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda fez assim com a mão, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me deu um adeus através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.

Olhei as nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido, via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma certa irritação me fez andar.

— A senhora é conformada.

— Tenho fé, dona. Deus nunca me abandonou.

— Deus — repeti vagamente.

— A senhora não acredita em Deus?

— Acredito — murmurei. E ao ouvir o som débil da minha afirmativa, sem saber por quê, perturbei-me. Agora entendia. Aí estava o segredo daquela segurança, daquela calma. Era a tal fé que removia montanhas…

Ela mudou a posição da criança, passando-a do ombro direito para o esquerdo. E começou com voz quente de paixão:

— Foi logo depois da morte do meu menino. Acordei uma noite tão desesperada que saí pela rua afora, enfiei um casaco e saí descalça e chorando feito louca, chamando por ele! Sentei num banco do jardim onde toda tarde ele ia brincar. E fiquei pedindo, pedindo com tamanha força, que ele, que gostava tanto de mágica, fizesse essa mágica de me aparecer só mais uma vez, não precisava ficar, se mostrasse só um instante, ao menos mais uma vez, só mais uma! Quando fiquei sem lágrimas, encostei a cabeça no banco e não sei como dormi. Então sonhei e no sonho Deus me apareceu, quer dizer, senti que ele pegava na minha mão com sua mão de luz. E vi o meu menino brincando com o Menino Jesus no jardim do Paraíso. Assim que ele me viu, parou de brincar e veio rindo ao meu encontro e me beijou tanto, tanto… Era tamanha sua alegria que acordei rindo também, com o sol batendo em mim.

Fiquei sem saber o que dizer. Esbocei um gesto e em seguida, apenas para fazer alguma coisa, levantei a ponta do xale que cobria a cabeça da criança. Deixei cair o xale novamente e voltei-me para o rio. O menino estava morto. Entrelacei as mãos para dominar o tremor que me sacudiu. Estava morto. A mãe continuava a niná-lo, apertando-o contra o peito. Mas ele estava morto.

Debrucei-me na grade da barca e respirei penosamente: era como se estivesse mergulhada até o pescoço naquela água. Senti que a mulher se agitou atrás de mim

— Estamos chegando — anunciou.

Apanhei depressa minha pasta. O importante agora era sair, fugir antes que ela descobrisse, correr para longe daquele horror. Diminuindo a marcha, a barca fazia uma larga curva antes de atracar. O bilheteiro apareceu e pôs-se a sacudir o velho que dormia:

- Chegamos!… Ei! chegamos!

Aproximei-me evitando encará-la.

— Acho melhor nos despedirmos aqui — disse atropeladamente, estendendo a mão.

Ela pareceu não notar meu gesto. Levantou-se e fez um movimento como se fosse apanhar a sacola. Ajudei-a, mas ao invés de apanhar a sacola que lhe estendi, antes mesmo que eu pudesse impedi-lo, afastou o xale que cobria a cabeça do filho.

— Acordou o dorminhoco! E olha aí, deve estar agora sem nenhuma febre.

— Acordou?!

Ela sorriu:

— Veja…

Inclinei-me. A criança abrira os olhos — aqueles olhos que eu vira cerrados tão definitivamente. E bocejava, esfregando a mãozinha na face corada. Fiquei olhando sem conseguir falar.

— Então, bom Natal! — disse ela, enfiando a sacola no braço.

Sob o manto preto, de pontas cruzadas e atiradas para trás, seu rosto resplandecia. Apertei-lhe a mão vigorosa e acompanhei-a com o olhar até que ela desapareceu na noite.

Conduzido pelo bilheteiro, o velho passou por mim retomando seu afetuoso diálogo com o vizinho invisível. Saí por último da barca. Duas vezes voltei-me ainda para ver o rio. E pude imaginá-lo como seria de manhã cedo: verde e quente. Verde e quente.


Texto extraído do livro “Para gostar de ler – Volume 9 – Contos”, Editora Ática – São Paulo, 1984, pág. 67.

Lygia Fagundes Telles

A Máscara da Morte Escarlate

A “Morte Escarlate” havia muito devastava o país. Jamais se viu peste tão fatal ou tão hedionda. O sangue era sua revelação e sua marca. A cor vermelha e o horror do sangue. Surgia com dores agudas e súbita tontura, seguidas de profuso sangramento pelos poros, e então a morte. As manchas rubras no corpo e principalmente no rosto da vítima eram o estigma da peste que a privava da ajuda e compaixão dos semelhantes. E entre o aparecimento, a evolução e o fim da doença não se passava mais de meia hora.

Máscara da Morte Ribra

Mas o príncipe Próspero era feliz, destemido e astuto. Quando a população de seus domínios se reduziu à metade, mandou vir à sua presença um milhar de amigos sadios e divertidos dentre os cavalheiros e damas da corte e com eles retirou-se, em total reclusão, para um dos seus mosteiros encastelados. Era uma construção imensa e magnífica, criação do gosto excêntrico, mas grandioso do próprio príncipe. Circundava-a a muralha forte e muito alta, com portas de ferro. Depois de entrarem, os cortesãos trouxeram fornalhas e grandes martelos para soldar os ferrolhos. Resolveram não permitir qualquer meio de entrada ou saída aos súbitos impulsos de desespero do que estavam fora ou aos furores do que estavam dentro. O mosteiro dispunha de amplas provisões. Com essas precauções, os cortesãos podiam desafiar o contágio. O mundo externo que cuidasse de si mesmo. Nesse meio-tempo era tolice atormentar-se ou pensar nisso. O príncipe havia providenciado toda a espécie de divertimentos. Havia bufões, improvisadores, dançarinos, músicos, Beleza, vinho. Lá dentro, tudo isso mais segurança. Lá fora, a “Morte Escarlate”.

Lá pelo final do quinto ou sexto mês de reclusão, enquanto a peste grassava mais furiosamente lá fora, o príncipe Próspero brindou os mil amigos com um magnífico baile de máscaras.

Era um espetáculo voluptuoso, aquela mascarada. Mas antes vou descrever onde ela aconteceu. Eram sete ? um suíte imperial. Em muitos palácios, porém, essas suítes formam uma perspectiva longa e reta, quando as portas se abrem até se encostarem nas paredes de ambos os lados, de tal modo que a vista de toda essa sucessão é quase desimpedida. Ali, a situação era muito diferente, como se devia esperar da paixão do duque pelo fantástico. Os salões estavam dispostos de maneira tão irregular que os olhos só podiam abarcar pouco mais de cada um por vez. Havia um desvio abrupto a cada vinte ou trinta metros e, a cada desvio, um efeito novo. À direita e à esquerda, no meio de cada parede, uma alta e estreita janela gótica dava para um corredor fechado que acompanhava as curvas da suíte. A cor dos vitrais dessas janelas variava de acordo com a tonalidade dominante na decoração do salão para o qual se abriam. O da extremidade leste, por exemplo, era azul ? e de um azul intenso eram suas janelas. No segundo salão os ornamentos e tapeçarias, assim como as vidraças, eram cor de púrpura. O Terceiro era inteiramente verde, e verdes também os caixilhos das janelas. O quarto estava mobiliado e iluminado com cor alaranjada ? o quinto era branco, e o sexto, roxo. O sétimo salão estava todo coberto por tapeçarias de veludo negro, que pendiam do teto e pelas paredes, caindo em pesadas dobras sobre um tapete do mesmo material e tonalidade. Apenas nesse salão, porém, a cor das janelas deixava de corresponder à das decorações. Aa vidraças, ali, eram escarlates ? uma violenta cor de sangue.

Ora, em nenhum dos sete salões havia qualquer lâmpada ou candelabro, em meio à profusão de ornamentos de ouro espalhados por todos os cantos ou dependurados do teto. Nenhuma lâmpada ou vela iluminava o interior da seqüência de salões. Mas nos corredores que circundavam a suíte havia, diante de cada janela, um pesado tripé com um braseiro, que projetava seus raios pelos vitrais coloridos e, assim, iluminava brilhantemente a sala, produzindo grande número de efeitos vistosos e fantásticos. Mas no salão oeste, ou negro, o efeito do clarão de luz que jorrava sobre as cortinas escuras através das vidraças da cor do sangue era desagradável ao extremo e produzia uma expressão tão desvairada no semblante do que entravam que poucos no grupo sentiam ousadia bastante para ali penetrar.

Era também nesse apartamento que se achava, encostado à parede oeste, um gigantesco relógio de ébano. Seu pêndulo oscilava de um lado para o outro com um bater surdo, pesado, monótono; quando o ponteiro dos minutos completava o circuito do mostrador e o relógio ia dar as horas, de seus pulmões de bronze brotava um som claro e alto e grave e extremamente musical, mas em tom tão enfático e peculiar que, ao final de cada hora, os músicos da orquestra se viam obrigados a interromper momentaneamente a apresentação para escutar-lhe o som; com isso os dançarinos forçosamente tinham de parar as evoluções da valsa e, por um breve instante, todo o alegre grupo mostrava-se perturbado; enquanto ainda soavam os carrilhões do relógio, observava-se que os mais frívolos empalideciam e os mais velhos e serenos passavam a mão pela teste, como se estivessem num confuso devaneio ou meditação. Mas, assim que os ecos desapareciam interiormente, risinhos levianos logo se riam do próprio nervosismo e insensatez e, em sussurros, diziam uns aos outros que o próximo soar de horas não produziria neles a mesma emoção; mas, após um lapso de sessenta minutos (que abrangem três mil e seiscentos segundos do Tempo que voa), quando o relógio dava novamente as horas, acontecia a mesma perturbação e idênticos tremores e gestos de meditação de antes.

Apesar disso tudo, que festa alegre e magnífica! Os gosto do duque eram estranhos. Sabia combinar cores e efeitos. Menosprezando a mera decoração da moda, seus arranjos mostravam-se ousados e veementes, e suas idéias brilhavam com um esplendor bárbaro. Alguns podiam considerá-lo louco, sendo desmentidos por seus seguidores. Mas era preciso ouvi-lo, vê-lo e tocá-lo para convencer-se disso.

Para essa grande festa, ele próprio dirigiu, em grande parte, a ornamentação cambiante dos sete salões, e foi seu próprio gosto que inspirou as fantasias dos foliões. Claro que eram grotescas. Havia muito brilho, resplendor, malícia e fantasia ? muito daquilo que foi visto depois no Hernani. Havia figuras fantásticas com membros e adornos que não combinavam. Havia caprichos delirantes como se tivessem sido modelados por um louco. Havia muito de beleza, muito de libertinagem e de extravagância, algo de terrível e um tanto daquilo que poderia despertar repulsa. De um ao outro, pelos sete salões, desfilava majestosamente, na verdade, uma multidão de sonhos. E eles ? os sonhos ? giravam sem parar, assumindo a cor de cada salão e fazendo com que a impetuosa música da orquestra parecesse o eco de seus passos. Daí a pouco soa o relógio de ébano colocado no salão de veludo. Então, por um momento, tudo se imobiliza e é tudo silêncio, menos a voz do relógio. Os sonhos se congelam como estão. Mas os ecos das batidas extinguem-se ? duraram apenas um instante ? e risos levianos, mal reprimidos, flutuam atrás dos ecos, à medida que vão morrendo. E logo a música cresce de novo, e os sonhos revivem e rodopiam mais alegremente que nunca, assumindo as cores das muitas janelas multicoloridas, através das quais fluem os raios luminosos dos tripés. Ao salão que fica a mais oeste de todos os sete, porém, nenhum dos mascarados se aventura agora; pois a noite está se aproximando do fim: ali flui uma luz mais vermelha pelos vitrais cor de sangue e o negror das cortinas escuras apavora; para aquele que pousa o pé no tapete negro, do relógio de ébano ali perto chega um clangor ensurdecido mais solene e enfático que aquele que atinge os ouvidos dos que se entregam às alegrias nos salões mais afastados.

Mas nesses outros salões cheios de gente batia febril o coração da vida. E o festim continuou em remoinhos até que, afinal, começou a soar meia-noite no relógio. Então a música cessou, como contei, as evoluções dos dançarinos se aquietaram, e, como antes, tudo ficou intranqüilamente imobilizado. Mas agora iriam ser doze as badaladas do relógio; e desse modo mais pensamentos talvez tenham se infiltrado, por mais tempo, nas meditações dos mais pensativos, entre aqueles que se divertiam. E assim também aconteceu, talvez, que, antes de os últimos ecos da última badalada terem mergulhado inteiramente no silêncio, muitos indivíduos na multidão puderam perceber a presença de uma figura mascarada que antes não chamara a atenção de ninguém. E, ao se espalhar em sussurros o rumor dessa nova presença, elevou-se aos poucos de todo o grupo um zumbido ou murmúrio que expressava a reprovação e surpresa ? e, finalmente, terror, horror e repulsa.

Numa reunião de fantasmas como esta que pintei, pode-se muito bem supor que nenhuma aparência comum poderia causar tal sensação. Na verdade, a liberdade da mascarada dessa noite era praticamente ilimitada; mas a figura em questão ultrapassava o próprio Herodes, indo além dos limites até do indefinido decoro do príncipe. Existem cordas, nos corações dos mais indiferentes, que não podem ser tocadas sem emoção. Até para os totalmente insensíveis, para quem a vida e morte são alvo de igual gracejo, existem assuntos com os quais não se pode brincar. Na verdade, todo o grupo parecia agora sentir profundamente que na fantasia e no rosto do estranho não existia graça nem decoro. A figura era alta e esquálida, envolta do pés a cabeça em veste mortuárias. A máscara que escondia o rosto procurava assemelhar-se de tal forma com a expressão enrijecida de um cadáver que até mesmo o exame mais atento teria dificuldade em descobrir o engano. Tudo isso poderia ter sido tolerado, e até aprovado, pelos loucos participantes da festa, se o mascarado não tivesse ousado encarnar o tipo da Morte Escarlate. Seu vestuário estava borrifado de sangue ? e sua alta testa, assim como o restante do rosto, salpicada com o horror escarlate.

Quando os olhos do príncipe Próspero pousaram nessa imagem espectral (que andava entre os convivas com movimentos lentos e solenes, como se quisesse manter-se à altura do papel), todos perceberam que ele foi assaltado por um forte estremecimento de terror ou repulsa, num primeiro momento, mas logo o seu semblante tornou-se vermelho de raiva.

- Quem ousa… ? perguntou com voz rouca aos convivas que estavam perto ? quem ousa nos insultar com essa caçoada blasfema? Peguem esse homem e tirem sua máscara, para sabermos quem será enforcado no alto dos muros, ao amanhecer!

O príncipe Próspero estava na sala leste, ou azul, ao dizer essas palavras. Elas ressoaram pelos sete salões, altas e claras, pois o príncipe era um homem ousado e robusto e a música se calara com um sinal de sua mão.

eros & thanatos

O príncipe achava-se no salão azul com um grupo de pálidos convivas ao seu lado. Assim que falou, houve um ligeiro movimento dessas pessoas na direção do intruso, que, naquele momento, estava bem ao alcance das mãos, e agora, com passos decididos e firmes, se aproximava do homem que tinha falado. Mas por causa de um certo temor sem nome, que a louca arrogância do mascarado havia inspirado em toda a multidão, não houve ninguém que estendesse a mão para detê-lo; de forma que, desimpedido , passou a um metro do príncipe e, enquanto a vasta multidão, como por um único impulso, se retraía do centro das salas para as paredes, ele continuou seu caminho sem deter-se, no mesmo passo solene e medido que o distinguira desde o inicio, passando do salão azul para o púrpura ? do púrpura para o verde ? do verde para o alaranjado ? e desse ainda para o branco ? e daí para o roxo, antes que se fizesse qualquer movimento decisivo para dete-lo. Foi então que o príncipe Próspero, louco de raiva e vergonha por sua momentânea covardia, correu apressadamente pelos seis salões, sem que ninguém o seguisse por causa do terror mortal que tomara conta de todos. Segurando bem alto um punhal desembainhado, aproximou-se, impetuosamente, até cerca de um metro do vulto que se afastava, quando este, ao atingir a extremidade do salão de veludo, virou-se subitamente e enfrentou seu perseguidor. Ouviu-se um grito agudo ? e o punhal caiu cintilando no tapete negro, sobre o qual, no instante seguinte, tombou prostrado de morte o príncipe Próspero. Então, reunindo a coragem selvagem do desespero, um bando de convivas lançou-se imediatamente no apartamento negro e, agarrando o mascarado, cuja alta figura permanecia ereta e imóvel à sombra do relógio de ébano, soltou um grito de pavor indescritível, ao descobrir que, sob a mortalha e a máscara cadavérica, que agarravam com tamanha violência e grosseria, não havia qualquer forma palpável.

Danse Macabre

E então reconheceu-se a presença da Morte Escarlate. Viera como um ladrão na noite. E um a um foram caindo os foliões pelas salas orvalhadas de sangue, e cada um morreu na mesma posição de desespero em que tombou no chão. E a vida do relógio de Ébano dissolveu-se junto com a vida do último dos dissolutos. E as chamas dos braseiros extinguiram-se. E o domínio ilimitado das Trevas, da Podridão e da Morte Escarlate estendeu-se sobre tudo.


Edgar Allan Poe
Histórias Extraordinárias

Doce Vingança:Monstro!

Ansioso Eduardo acendeu um cigarro en quanto esperava Henrique chegar. Estava furioso pois suas chaves não abriam as portas e fazia meia-hora que estava ali esperando. Por onde Henrique andaria naquele horário? Perguntava-se o aflito homem. Ansioso ia de um lado ao outro roendo as parcas unhas.
Apenas a visão de um Henrique risonho e satisfeito chegando na esquina o acalmou. O dono da casa olhou para seu visitante com uma expressão dura, o cenho fechado fez o coração de Eduardo murchar. Henrique abriu a porta e o esperou entrar.
Eduardo pulou em Henrique e foi logo tirando a roupa de seu amado, lhe fazendo um competente e apaixonado sexo oral. Henrique olhava a cena com desprezo e um sorriso sádico nos lábios, seus olhos brilhavam.

- Cadê tua roupa? Tu sabes como eu gostas das minhas mulheres, não sabe? – Henrique falava a meia-voz no ouvido de Eduardo, que delirava com o toque daquele homem.
- vou tomar um banho quando voltar quero te ver produzida para o sexo, entendeu?

O banho foi propositalmente demorado, para que Eduardo explodisse por dentro. Quando saiu do banheiro ainda molhado Eduardo estava de lingerie vermelha, salto agulha, maquiagem, sentado delicadamente à beira da cama esperando aquele homem que o atormentava.
- Como foi o teu dia hoje meu bem? – Henrique não respondeu, apenas fez movimentos com os dedos para que ele levantasse e virasse de costas e, de novo aquele sorriso diabólico no seu rosto.

Durante o ato sexual, Eduardo percebeu que estava perdidamente apaixonado pelo seu amigo de infância, pensou na briga que teve com a esposa hoje cedo, no nascimento da filha e como Henrique sempre fora compreensivo com ele, o ajudou apesar de tudo o que ele fizera nos últimos meses.
Henrique usava Eduardo para perversões sexuais, sabia o que fazer e onde fazer para controlar o parceiro na cama. Eduardo sabia que agora seu prazer sexual pertencia a Henrique, ele era seu dono agora. Transaram a noite toda, até que Henrique adormeceu, enquanto Eduardo lhe acariciava.

o Telefone tocou uma seis da manhã, acordando os dois. Realizado, rindo e falando docemente ao telefone durante vinte cinco minutos contados no relógio de Eduardo, Henrique estava todo espirituoso, seu amante era todo ciúme.

- Cara, eu preciso te dizer uma coisa. Eu te amo, te amo muito Henrique, nunca pensei que amaria um homem como eu te amo.
- Cala boca! Quero que tu saias daqui e não volte mais. Eu te odeio, Eduardo, eu te desprezo, tu para mim vales menos que nada.

Eduardo achava aquilo uma brincadeira sem graça mas sorria constrangido.

- Pára com isso. Não tem graça. – Henrique o olhava como sempre, igual a um irmão mais novo que idolatra o mais velho, e sorriu docemente para aquele homem que realmente odiava. Eduardo por sua vez, foi até ao falo de Henrique e passou a beijá-lo.

- Beija os meus pés. Prova que me ama, faça uma loucura por mim. – Eduardo não sabia o que fazer para provar o seu amor. Henrique ejaculou na sua face e mandou que ele não limpasse.

- Vai embora, não volta mais aqui, não suporto olhar para ti. E não limpa o rosto, se me amas vais sair do jeito que estas na rua. Vai embora e não volte aqui.

- O que tá acontecendo contigo? Tu nunca fostes assim comigo, eu fiz algo de errado?
- Fez. Vendou parte da agência, que eu suei para construir, recebeu o prêmio de publicidade que era meu como se fosse teu, roubou minhas idéias, e ainda bateu o meu carro comigo dentro.

- Tu surtastes? Achei que tivesse entendido meus motivos.

- Surtei, depois que bati a cabeça e quase morri. Entendi tudo naquele momento em que quase morria e tu falavas com tua esposa. Teus motivos eram me sacanear para dar uma vida de jovem menina rica para tua esposa bulica. Motivaço Cara! – Henrique espumava pela boca e Eduardo chorava ao ouvir suas próprias canalhices, misturando ao esperma do amado às suas lágrimas.

- Achei que tu me amavas…?
- Não se engane, eu nunca disse isso. Eu te dei o que tu quis, prazer, e tu me deste o que eu queria, VINGANÇA!
- Mas tu comeste o meu… quero dizer, eu vestir roupa de mulher, fiz tudo o que tu quiseste, só para te divertir, tu és meu único homem.- Eduardo tremia e suava pelas mãos, acendeu um cigarro para se controlar.

- Ta certo que eu te manipulei, mas olha esse vídeo que eu encontrei na rede, esse ‘boneca’ é a tua cara, é incrível esse cara aí. Apaga essa coisa fedorenta, não preciso respirar essa porcaria na minha casa. Cara, aqui se faz, aqui se paga. Agora prova que me ama, vai pra tua casa desse jeito.

Gentil como sempre fôra com todas as pessoas Henrique abriu a porta da casa, deu a carteira de Eduardo, que saiu às ruas de salto e lingerie com o rosto sujo de esperma, fumando compulsivamente e chorando silenciosamente.
- Primeira parte da vingança está completa.

Adeus Eduardo.

*D.*

Original em: http://www.zefirus.blogspot.com/

ADAMAN

Esta é apenas mais uma história como tantas outras que existem por aí:
A história de alguém que se apaixonou e sem perceber entrou em um mundo novo, repleto de vida, cor e exuberância!!
Mas quiseram os Deuses que ele tomasse consciência deste fantástico mundo no qual vivia quando já estava às portas da expulsão; e, como Adão arrependido, apenas podia mirar os olhos vazados de Uriel que tão feliz e prestimosamente sustentava a Espada do Desterro!
Arma mordaz e mesquinha que ansiava desesperadamente por consumir sangue de quem quer que lhe resvalasse o fio do gume afiado…

Então ele partiu!

Atravessou terras secas e pútridas, bebeu de valas sujas e fétidas e jamais olhou para trás! Não por orgulho, ou ódio, ou qualquer outro sentimento que não o MEDO! Sim! MEDO!! Medo de olhar por sobre os ombros e desmoronar toda sua convicção e desesperado correr em retorno ao Jardim do Edem há muito abandonado; medo de que Uriel ainda tivesse sobre ele seus olhos ocos, balançando ameaçadoramente a Espada Flamejante!
Foi-se então nosso pequeno Adão, sozinho, pois Eva não quisera acompanhá-lo e Lillith há muito o desprezava… Pobre Adão: só, esquecido, abandonado, humilhado. E ainda era acusado, chamado culpado por todas as mazelas e desgraças pelas quais os outros passavam, sofriam. E ele, coitado, buscava mostrar a elas que seu infortúnio devia-se exclusivamente a suas próprias escolhas; e elas (incapazes de aceitar ou sequer considerar a possibilidade) escarneciam dele. Posto que sempre fosse mais fácil culpar a outro que aceitar as próprias falhas!

Chorou amargamente nosso Adão.
E, em sua dor, ele cantou seu último hino a Deus:

Deus, meu senhor…
Como o mau pastor, deixaste tua ovelha bramir em campos inférteis!
Largou à sua própria sorte quem jamais fez coisa outra
que não fosse estender a mão para ter o que precisava!
E quando este pobre comete a primeira falta, é humilhado
e atirado fora como excremento indesejado!
Então Meu Bom Deus!
Meu Amo e Senhor!
Somente posso dizer uma coisa de vós:
és um grandíssimo FILHO DA PUTA!

Deu-me as costas, e rindo-se, viu-me tirar do solo e de meu amargo suor
o parco alimento que me impedia de cair em estupor.
Não compadecestes de mim, não me estendestes a mão solidária!
E, quando este pobre implora por teu socorro e ajuda
envias-me Uriel e seus olhos vazados e sua espada flamejante
Então; Meu Bom Deus?! Como queres que te seja amante??
Se tudo quanto desejas é que sejais temido…

Sentindo-se cansado, então dormiu e sonhou estar de volta ao Jardim das Delícias. Viu um fruto de aparência suculenta, de uma coloração nacarada, tenro ao toque; com um aroma deli-cioso.
Nosso pequeno Adão lembrou-se de há quanto tempo não comia e colheu o fruto… Estra-nhou o leve sabor de amêndoa torrada, mas a fome o impelia a continuar comendo, depois mais uma e outra ainda.

E nosso pequeno Adão jamais saiu daquele Jardim…

*Frank J. Costa.

O Menino do Gouveia

I

Estendido junto a mim na cama suspirativa do chateau, depois de ter sido enrabado duas vezes, tendo na mão macia e profissional a minha respeitável porra, em que fazia umas carícias aperitivas, o menino do Gouveia, isto é, o Bembem, contou-me pitorescamente a sua história com todos os não-me-bulas de sua voz suave de puto matriculado.

- Eu lhe conto. Eu tomo dentro por vocação; nasci para isso como outros nascem para músicos, militares, poetas ou até políticos. Parece que quando me estavam fazendo, minha mãe, no momento da estocada final, peidou-se, de modo que teve todos os gostos no cu e eu herdei também o fato de sentir todos os meus prazeres na bunda.

Quando cheguei aos meus treze para catorze anos, em que todos os rapazes têm uma curiosidade enorme em ver uma mulher nua, ou pelo menos um pedaço de coxa, um seio ou outra parte do corpo feminino, eu andava a espreitar a ocasião em que algum criado, ou mesmo meu tio, ia mijar, para deliciar-me com o espetáculo de um caralho de um homem.

Não sei por que era, eu sentia uma atração enorme para o instrumento de meus prazeres futuros.

Havia então, entre os empregados, um que possuía uma parativelas que era mesmo um primor de grossura e comprimento, fora a cabeçorra formidável. Uma destas picas que nos consolam até a alma!

Entretanto, o que mais aguçava a minha curiosidade e me dava um desejo insofrível, era poder ver a porra de meu tio. Este, porém, era muito cauteloso, e jamais ia satisfazer as suas necessidades sem trancar a porta da privada, ficando eu deste modo com o único recurso de calcular e julgar, pelo volume que lhe via na perna esquerda, as dimensões do seu mangalho que parecia ser colossal.

Um dia em que ele e titia foram à cidade muni-me de uma verruma e fiz na porta do quarto dos mesmos uma série de buracos dispostos de maneira que eu pudesse observar todos os movimentos noturnos.

- Confesso, Capadócio Maluco – acrescentou o Bembem, aumentando o movimento punhetal que vinha fazendo na minha pica -, que nem uma só vez me passou pela cabeça a idéia de que ia ver a titia nua ou quase nua. O meu único pensamento era poder apreciar ereto o membro viril do titio.

Nessa noite, mal nos recolhemos aos dormitórios, eu fui postar-me, metido na comprida camisola de dormir, na porta e com os olhos pregados nos furos previamente feitos.

Parece, porém, que o casal não tinha pressa nenhuma em se foder ou então ambos andavam fartos, pois meu tio, em camisa de meia, sem tirar as calças, sentou a ler um livrinho que depois eu souber ser da Coleção Amorosa do Rio Nu, enquanto minha tia, em mangas de camisa, principiou uma temível caçada a algumas pulgas teimosas.

Se eu gostasse de mulher, teria me deliciado vendo, nos movimentos bruscos da caçada, os seios da moça, que eram alvíssimos, de bicos vermelhos, redondos e rijos como se ela ainda fosse cabaçuda; porém todo o meu prazer, toda a minha curiosidade, estavam entre as pernas do tio, no seu caralho, cuja lembrança me punha comichões na bunda.

Afinal, ela parece que cansou na perseguição dos pequenos animais, pois deixou cair a saia e rapidamente substituiu a camisa por uma pequena camiseta de meia de seda que lhe chegava até o meio das nádegas.

Mesmo sem querer, tive que admirar-lhe as pernas bem-feitas, as coxas grossas, torneadas e muito claras, a basta pentelhada castanho-escura e – com quanta raiva o confesso! – o seu traseiro, amplo, macio, gelatinoso.

Ah! se eu tivese um cu daqueles, era feliz! Era impossível que meu titio, tendo ao seu dispor um cagueiro daqueles, pudesse vir a gostar da minha modesta bunda! Quanto ciúmes eu tive da tia naquela noite!

Parece que a leitura do tal livrinho produziu alguma coisa em titio. Ele principiou a olhar de vez em quando para a mulher, estendida de papo para o ar sobre o leito; depois passou várias vezes a mão pela altura da pica.

Finalmente levantou-se, num momento tirou toda a roupa e caminhou para a cama.

Oh! Céus! Eu então pude ver, com toda a dureza que uma tesão completa lhe dava, os vinte e cinco centímetros de nervo com que a Natureza o brindara. Que porra!

Grande, rija, grossa, com uma chapeleta semelhante a um pára-choques da Central e fornida dum par de colhões que devia ter leite para uma família inteira.

Ele chegou-se ao leito, começou a beijar a esposa nos olhos, na boca, no pescoço, nos seios e depois, quando a sentiu tão arreitada como ele estava, afastou-lhe as belas coxas, trepou para cima do leito e eu, do meu observatório, vi aquele primor de pica deslizar suavemente e sumir-se todo pelo cono papudo da titia, que auxiliava a entrada do monstro fazendo um amestrado exercício de quadris, a suspirar, a gemer, a vir-se, no mais completo dos gozos, na mais correta das fodas.

Não quis ou não pude assistir ao resto da cena. Eu tinha uma sensação esquisita no cu, parecia que as pregas latejavam. Mais tarde vim a saber que isso era tesão na bunda.

Corri para o meu quarto, fechei-me por dentro, atirei para longe a camisola, que me incomodava e, tendo arrancado a vela do castiçal, tentei metê-la pelo cu acima a ver se me acalmava. Fui caipora; as arestas da bugia machucavam-me o ânus e não a deixavam entrar.

Passei uma noite horrível.

Plenilunium

La Luna Llena

La Luna Llena

Noite escura. Fria…

O luar era intenso.
A lua brilhava tanto que, a qualquer momento, poder-se-ia transformar em Sol: vivo! Ardente!

Os momentos passavam que se cruzavam em sua mente; momentos demasiado belos para serem esquecidos.
Momentos demasiado belos para serem reais.
Momentos que, reunidos às circunstancias, davam vida a um pesadelo interminável.

E, contudo, lá estava: sem os querer largar ou deixar partirem…

Momentos esses que levariam a outro Mundo, como asas de um Anjo Invisível e inalcançável!
Levavam a outro plano que, apesar da sua contra-vontade, era paralelo ao seu e transparente.
Podia-se ver tudo o que tinha, tivera, terá; perdera. Podia ver e sentir.
Não podia jamais desligar-se.

Sofria pelos acontecimentos que passavam rente a si, em frente a seus olhos sem nunca poder evitar.
Chorava pelas pessoas que via e não podia tocar; que chamava… pelas quais gritava e nunca reparariam; jamais responderiam.

Naquela noite a Lua era seu único consolo, até porque as nuvens ingratas escondiam as estrelas que tanto amava. Amava demais…
E, por ter tanto amor, não merecia aquela noite.
E depois tudo acabou…

A noite passou e a chuva caiu por sobre a sua alma, leve agora.
Estava sobre o telhado, a pensar na vida, a desperdiçar cigarros.
Então sentiu…

Sentiu que….

Se ao menos pudesse escrever ao mesmo tempo em que pensava…

*Frank Costa*

A Chuva

goth07

Lá fora a chuva cai impiedosamente…

Ouço o mundo lá de fora, não o ouves?
Estarei louco antes que o dia acabe…

Ninguem quer realmente ouvir o que digo, que amanhã será mais um dia arrastado pelas horas mortas…
Cai a chuva… aqui dentro apenas o som do cd-player corta o silêncio.

Lá fora a chuva cai sobre os ímpios ou puros; como uma piada do que este mundo deveria ser:

igual para mim e para ti, mas jamais será assim pois a poucos isto importa e os que detém os meios de fazê-lo assim jamais o farão…

Treme meus pés, cada átomo de meu corpo convulsiona…

Tudo desfoca e a minh’alma grita fundo e forte… nua, dentro de mim, desfalece.

Faz-se silêncio, como por magia tudo está como sempre fôra; talvez jamais tenha sido diferente…

Lá fora a chuva cai e, inadvertidamente, já varias faixas do cd foram tocadas sem que eu ouvisse – sequer escutasse – uma única…

Encolho-me no chão de meu quarto e digo: “Tudo vai acabar bem”
Mas nem a mim mesmo convenço… quem é aquele que fita meus olhos quando no espelho – à noite – penso olhar-me??

Ele me critica, me acusa de o manter escondido da realidade… Dos outros!
Sou tão culpado quanto eles, não parto, não destruo, nada faço… mais escondo-me debaixo de escamas para que os demais não me julguem nem descriminem pelas convicções, crenças, certezas (quer reais ou imaginárias)…
A noite chega, e meus fantasmas saem dos esconderijos, agora começa mais uma noite esperando um milagre!!!

Lá fora a chuva insiste em lembrar-me agruras e sofrimentos que busco enterrar no mais profundo de minha memória. Minha carne me parece estranha… alienígena. Finalmente ergo-me do chão.

O cd terminara já a muito e novamente percebo o silencio soluçante em meu quarto, entrecortado apenas pelo agourento som da chuva a escorrer pelas calhas da casa… pelo teto… pela janela.

Reuno os resquícios de minhas forças e vou à janela – abrindo-a – a borrasca invade minha pequena prisão, o matreiro Zéfiro entra assobiando arrastando tudo em que pões suas mãos gélidas e nefandas.

Debruço-me sobre o parapeito e vejo abaixo e ao longe – na rua – uma criança a dançar ao som de uma música diferente de tudo conquanto já houvesse ouvido em minha existência… Como que em um salão de bailes inigualável e pleno, sentindo a chuva…

Novamente a cabeça rodopia, minha consciência se desfaz em um clarão rubro, enquanto ouço o zunido do ar de algo que cai pesado e duramente contra o concreto do passeio público…

Aqui fora a chuva escoa aos esgotos os vestígios do que fui… Finalmente nenhum pensamento ou sensação… Apenas a acolhedora escuridão a envolver-me e a acalentar-me…

*Frank J. Costa*

Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos de "minha vida"

(Por Caio Fernando Abreu)

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Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.

Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de “minha vida”. Outros fragmentos, daquela “outra vida”. De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.

Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.

Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector “Tentação” na cabeça estonteada de encanto: “Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível”. Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.

De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.

Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.

Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.

(Publicado no jornal “O Estado de S. Paulo“, 22/04/1986)

AS ESTRELAS DO VALE DOS REIS

Ghûl

Ghûl

Noite no Shepperd’s Hotel e de seus salões ecoava o som de festa. Dr. Marc adentrou o lobby e dirigiu-se ao salão principal. Checou seu relógio de bolso no colete de linho e procurou o motivo de sua visita, no salão cheio de casais que rodopiavam na pista de dança, enquanto outros desfrutavam do champanhe e das iguarias do hotel. Lindas moças desfilavam seus vestidos brancos à procura de rapazes ricos de férias no Cairo.

“Marc! Aqui, meu velho, venha aqui!” A voz veio de uma mesa atrás de uma coluna no meio do salão.

Acenando entusiasmado estava um sujeito corpulento, um pouco obeso, vestido em um terno azul-escuro, de boa qualidade. Óculos escuros quase escondiam os olhos castanhos do homem, cujo rosto quadrado apresentava cabelos negros, grisalhos nas têmporas. Marc dirigiu-se até a mesa, notando que seu velho amigo, Jean Paul Visant, deixara crescer suíças.

Marc conhecera Jean Paul quando eram crianças, em Londres, enquanto o primeiro tinha ido para a escola médica, o segundo escolhera o estudo da Arqueologia, com tamanho entusiasmo que até era responsável por um periódico sobre o assunto.

Eles ainda se correspondiam esporadicamente, mas pelo que constava ao jovem médico, seu amigo Jean Paul se interessava mais pela histó­ria oriental e não pela do Egito:

“Jean Paul, quanto tempo!” Marc abraçou o velho e corpulento amigo, sentando-se. “Como vão as coisas? E seus negócios?”

“Tudo vai indo muito bem, Marc. Aliás, falando em negócios, foi justamente isso que me trouxe aqui.”

“Pensei que fossem férias…”

“Pelo contrário! Mas, vamos… sirva-se de algo.”

Marc serviu-se do champanhe da mesa. Notou uma pilha de papéis que repousavam na mesa ao lado do amigo, alguns muito antigos. Jean Paul esvaziou a garrafa e pediu mais uma ao garçom, a despeito dos protestos do médico.

“Então, Jean Paul, se não foram pelas belezas do Cairo, qual a razão de sua visita? Com certeza não veio apenas visitar um amigo” Marc sorriu apontando para os papéis.

As feições de Jean Paul pareceram mudar por um instante, mas logo ele recobrou o bom humor:

“Infelizmente não, meu velho, embora eu entenda que você está morando com alguém… uma egípcia, se não me engano?”

Marc baixou os olhos e sorriu ao lembrar-se de Shebeia e de seus belos olhos verdes. Ele a deixara no Continental Savoy, tocando sua harpa com seus dedos delicados.

Realmente, parece que fui arrebatado pelos mistérios do Oriente Médio. Mas e você? O que faz aqui?”

“Arqueologia, como sempre.”

“O quê especificamente na arqueologia?”

“É meio complicado. Você sabe que meu interesse maior é no extremo oriente, mas não pude deixar de vir depois do que achei nos arquivos da universidade…” Jean Paul abriu espaço entre os copos e colocou os papéis sobre a mesa.

Todos eram pergaminhos antigos. Alguns em hebraico, outros em hieróglifos e dois documentos mostravam o selo papal. Marc examinou-os intrigado, notando na maioria deles a figura de uma cabeça humana cortada. O tom sério do amigo fez-lhe desviar a atenção dos documentos:

“O que você sabe sobre o papa Silvestre II?”

“Nada. Deveria?” Marc serviu-se do champanhe.

“Não, claro. O papa Silvestre II era conhecido por ser um necromante, ou feiticeiro, se preferir. Bem, de acordo com este documento papal, ele tinha entre seus pertences uma cabeça de latão de tamanho natural, que podia falar, dominar os homens e fazer profecias.”

Marc baixou o copo enquanto os cabelos de sua nuca arrepiavam. Por alguma razão, algo estava errado. Per­guntou, cauteloso:

“E o que isto tem a ver com o Cairo?”.

Jean Paul sorriu e excitado, mostrou um papiro:

“Isto aqui foi comprado em 1876 no Cairo; pertence à vigésima primeira dinastia. Vê estes símbolos? Eles des­crevem uma cabeça humana, em posse do sacerdote do faraó, dotada de poderes extraordinários e grande conhecimento.” Então mostrou um pergaminho em hebraico e outro em grego:

“Este fala do início da construção do templo de Salomão, e como ele aprisionou um espírito em uma cabeça de latão e fez com que lhe contasse os segredos do céu e da terra! E este aqui, é de um cronista que descreve uma pilhagem feita por cruzados nos túmulos perto de Lúxor. Eles levaram consigo uma cabeça de latão que se acredi­tava ser possuída por demônios!”.

O mal estar de Marc aumentou. Espíritos, demônios pos­suindo cabeça de latão… Tudo isto desagradava o médico; já tivera péssimas experiências sobre o tópico. Era como se em seu íntimo, alguma coisa tentasse puxá-lo para um abismo e o médico tentasse se agarrar em alguma coisa a fim de não afundar. Talvez fosse a voz de Jean Paul, mas muitas coisas não se encaixavam; Ele não acreditava que Jean Paul tivesse encontrado todos estes documentos em uma universidade. De onde viriam então?

De qualquer forma, Marc sentia-se fascinado com a pai­xão com que o amigo tecia sua história. Ele estava sendo atraído pelo mistério e seu íntimo odiava aquilo:

“Jean Paul, pelo que você me disse, essa tal cabeça já saiu do Egito há muito tempo. Não sei o que você…”

“Não, Marc. Veja este documento papal: ele descreve como a tumba do papa Silvestre II foi violada e pilhada. A dita cabeça de latão não foi encontrada em nenhum lu­gar. Pois bem! Tenho certeza de que ela retornou ao Egi­to, e voltou ao Vale dos Reis!”

“Quem garante isto?” Indagou o médico, estremecendo. “Pode muito bem estar em posse de algum colecionador…”

“NÃO! NÃO ESTÁ!” Gritou Jean Paul. Depois, mais calmo: “Você não entende. Eu já estive no Vale antes de vir ao Cairo e fiz algumas investigações. Eu sei que a cabeça está lá.”

“Jean Paul, se você já esteve no Vale, porque não montou uma expedição? Por que vir ao Cairo me procurar?”

“Eu não poderia dividir esta descoberta com outras pesso­as, meu amigo. Eu só confiaria em você. Imagine, se al­guém se deu ao trabalho de trazer esta peça de volta ao Egito, imagine seu significado histórico e seu valor! Deve existir algo nela, pois todos os relatos falam de conheci­mento, sabedoria…”

“…E que pode estar possuída por demônios e causar dis­córdia. Você já disse isto. Não sei, Jean Paul, estou em dúvida quanto a este seu projeto. Eu tenho trabalho aqui e além disto, eu e Shebeia…”

“Ah! Não me diga que tem medo de superstições, Marc! Vamos amigo, não me abandone… e você pode trazer sua companheira conosco!” Marc ia protestar, mas o amigo interrompeu: “É isso! Vamos pelo Nilo! Será uma viajem mais longa porém agradável. Você e sua companheira podem aproveitar o passeio! Eu pago!”

O médico ia contestar, mas algo nas feições de Jean Paul o calou. O amigo parecia desconcertado, ansioso até. Meio erguido da cadeira, gotas de suor eram visíveis em sua testa. Marc aquiesceu, talvez curioso pela urgência do amigo:

“Está bem, vamos com você. Mas não parece um passeio para uma dama.”

“Ora, Marc, ela é egípcia! Deve estar acostumada com viagens deste tipo. Venha, vamos comemorar! Partimos em três dias.”

Ao sair do Shepperd’s, a cabeça de Marc rodava, talvez pelo conhaque. Ou talvez fosse a história toda que Jean Paul lhe contara. Algo que começava a revirar seu estô­mago e que ele não conseguia adivinhar. Por alguma razão, o médico não conseguia tirar da cabeça que come­çava a odiar o velho amigo.

“NÃO!” Gritou Shebeia, seus olhos verdes falseando de ódio enquanto ela andava pelo quarto. Seu corpo delicado trajava um robe de seda esmeralda, que volteava ondulante enquanto ela gesticulava:

“EU NÃO VOU! ISTO É INADMISSÍVEL!” E seguiu-se uma torrente de palavras em egípcio que Marc mal conseguiu compreender. Ela parou em frente ao médico, levando a mão a seus cabelos curtos.

“Shebeia, veja bem. Pode ser interessante…” tornou Marc.

“Marc! Eu sou uma sacerdotisa de Bastet! Meu trabalho é proteger tesouros de saqueadores, não pilhar com eles!”

“Mas minha querida, nós não vamos saquear túmulos. Nós vamos atrás de uma única peça. Você indo conosco pode­rá conferir se realmente vamos furtar algo. Achei que gostaria de um passeio ao Vale dos Reis.”

“Você disse Vale dos Reis? Sabe o que tem no Vale?” Shebeia olhava apreensiva para o médico.

O que Marc se recordava do Vale era o que tinha visto quando chegou ao Egito em 1883, dois anos depois da descoberta por Emile Brughs das catacumbas de Dur il Bahau, guiado por Mohamed Abd. Ele vira os milhares de pessoas amontoadas na margem do Nilo, saudando religi­osamente o cortejo de peças arqueológicas que iam ao museu em Bulak, terminando apenas em 1886.

Elas pareciam saudar um cortejo fúnebre, pois nas barca­ças estavam os restos de nobres como Amenhotep l, Nefertari, Tutmoses l e III, Ramses II e III e Sety I. Talvez fosse isto que incomodasse Shebeia. Porém, ele a ouviu recitar:

“Nós sugamos a medula dos mortos

E nos alimentamos de sua carne putrefata.

Cada caixão é um reposto,

Cada cemitério é uma festa.

Os corpos de seus entes queridos

Não descansam por muito tempo no solo,

Aqui, onde jantamos.”

“O que disse?” Indagou o médico.

“Ghûls.” Murmurou Shebeia e colocou o dedo delicado sobre os lábios de Marc, antes que ele pudesse interroga-Ia, abraçando-o.

O médico sentiu o aroma de rosas e canela que vinham da moça, que agora estremecia e murmurava, esconden­do um pavor em sua voz melodiosa:

“Eu vou com vocês. Não por causa de seu amigo saqueador, mas para não deixá-lo sozinho. Eu jamais iria me perdoar se algo acontecesse a você, jamais.”

Marc não conseguiu que ela lhe explicasse mais nada. Ele apenas acariciou os cabelos de Shebeia e deu-se por feliz em tê-la consigo.

No dia da partida, Shebeia atrasou-se e foi encon­trar-se com Marc no cais. O médico mal pôde conter seu alívio quando a viu. A moça trajava seus robes negros e trazia consigo um volume de veludo azul. Marc estremeceu, pois conhecia o conteúdo do volu­me, e sabia que ele predizia problemas. Jean Paul foi recebê-la na prancha de subida:

“Muito prazer em conhecê-la, Senhorita Shebeia. Meu amigo muito falou sobre a senhorita. Meu nome é Jean Paul Visant. Interessante volume que traz consigo.”

“Prazer, senhor. Quanto ao volume, sou uma awalin, e este é o meu instrumento de trabalho.” Sua voz era fria, em um inglês sinistramente perfeito.

“Uma awalin?! Uma cortesã então?”

“Senhor! Uma awalin entretém mulheres com música! Acho um desrespeito o que disse e sugiro que se informe melhor sobre nossos costumes!” E passou irritada pelo ar­queólogo e pelo médico, em direção à cabina.

“Você não causou boa impressão, Jean Paul.”

“Verdade. As mulheres egípcias são estranhas, meu amigo. Bem, já são l O horas. Logo vamos partir.”

O navio adentrou pelo Nilo, em direção a Aswaz, quando depois de muitas paradas iria até Lúxor e o Vale. Logo na primeira noite, ao jantarem, ficou evidente o desagrado de Shebeia pelo arqueólogo.

“Como disse, amigos”, falava Jean Paul en­quanto se servia “Viajar pelo Nilo é bem mais agradável. Eu queria que apreciassem as vistas do Egito, vocês sabem como esta terra está repleta de beleza e de segredos, não acha, minha cara?”

“Realmente, senhor Jean Paul. O Egito tem seus segre­dos, que seriam melhor apreciados se deixados em seu devido lugar…”

“E serem destruídos pelo tempo ou usados como material de construção? Você com certeza não fala sério!”

“Tenho certeza de que arqueólogos como o senhor vêm ao Egito apenas para saquear seus tesouros, profanar túmulos e roubar corpos.”

“Apenas para podermos mostrar ao mundo toda beleza de uma civilização antiga! Não somos bárbaros que derre­tem metais preciosos para fazerem moedas. Nós escava­mos a história dos séculos para mostrá-la à luz da modernidade!” Jean Paul estava exaltado. Marc interrom­peu, servindo-se do peixe:

“Certamente, minha querida, você concorda no mérito em se divulgar a história de antigas civilizações. Os museus estão abertos a todos os interessados. Isto só traz bem ao Egito.”

“Você acha que todas as peças escavadas terminam em museus? E quanto aos tesouros contrabandeados para fora do país? E quanto aos segredos proibidos aos olhos dos ho­mens? Você se lembra do que aconteceu conosco no Cairo?”

“Mas, senhorita,” interrompeu Jean Paul; “você, como muçulmana, deve concordar…”

“EU SOU EGÍPCIA!” Gritou Shebeia, chamando a aten­ção dos outros passageiros.

“Certamente, senhorita. Mas pelos seus trajes pensei que seguisse as leis do Corão, assim como boa parte do Egito…”

“Eu sigo a religião egípcia, senhor, com muito orgulho. Uma religião mais antiga do que aquela sobre um carpin­teiro judeu!” Shebeia estava indignada.

Jean Paul começou a rir, não percebendo o olhar de ódio da moça. O arqueólogo mal podia falar por entre as risadas:

“Ora, por favor! Não me diga que acredita em deuses com cabeça de animais! Ora, isto não passa de fantasias de uma sociedade teocrática! Deuses egípcios! Quem diria…”

Shebeia levantou-se, furiosa. Saiu com passos largos, esbarrando nos garçons e tripulantes. Jean Paul, divertido, serviu-se de mais vinho:

“Muito divertida sua companheira, Marc! Incrível como idéias tão primitivas povoam uma cabecinha tão adorável.”

“Agora chega, Jean Paul! Podemos ser amigos, mas não tolerarei mais tais insultos a ela! Não me interessa em que Shebeia acredita. Eu a respeito e espero, no mínimo, que você seja cavalheiro o suficiente para portar-se com dignidade quando a reencontrar!” E partiu atrás de Shebeia, sem esperar a resposta do amigo.

Encontrou-a debruçada na amurada do navio, observando a margem noturna do Nilo e as estrelas refletidas na água.

“Oooh… eu o odeio! Odeio aquele maldito ladrão de túmulos hipócrita! Desculpe-me, Marc! Sei que ele é seu amigo, mas não consigo deixar de odiá-lo!”

“Calma, querida. Tudo bem.” Marc abraçou-a “Eu sei que ele lhe ofendeu. Tenho certeza de que foi o vinho que falou por ele. Jean Paul é uma boa pessoa, ele realmente acredita no que disse.”

“Ele é tão arrogante! Eu gostaria de amaldiçoá-lo com mil pragas! Isso me deixaria contente!”

Marc sorriu: “Calma, Shebeia, eu sei que você é bem capaz disto, mas não é necessário.”

“Ah, droga! É que ele é tão… tão inglês!”

Eu também sou inglês, querida.”

“Eu sei, mas você tenta superar esse defeito…”

Ambos sorriram enquanto a embarcação navegava pelo rio de estrelas refletidas na noite do deserto.

No sétimo dia de viajem chegaram a Karnak. De lá aportaram em Luxor, de onde viajariam até Bihan El Muluk, ou como era conhecido, o famoso Vale dos Reis.

Do Nilo ao Vale são dois dias no lombo de mulas e Marc estranhou que a expedição organizada por Jean Paul fosse composta apenas deles, dois árabes e um guia local.

Tanto ele quanto Shebeia sentiam-se inquietos quando, à noite, acordavam com o uivo dos chacais. Por precaução, o médico mantinha seu revólver a postos. Jean Paul Visant, do outro lado, estava ansioso e instigava os árabes a pros­seguirem.

Por fim a trilha estreita levou-o ao seu destino, e o Vale, com suas entradas e caminhos esguios desfilavam em frente do grupo, enquanto desciam a ravina e se prepara­vam para acampar. Shebeia, no caminho, comentou:

“Este é um lugar onde abelhas fazem cera com a gordura dos mortos, Marc. Cera que pode ser usada para afastar os espíritos que ameaçam os homens. Aqui o mundo dos vivos é uma tênue memória que não é bem vinda…”

Como se ouvisse as palavras de Shebeia, Jean Paul voltou-se ao grupo, enquanto os árabes descarregavam o equipa­mento. Anoitecia e as sombras se espraiavam pelas rochas: “Agora vamos acampar por aqui e amanhã à noite parti­remos em busca do túmulo onde repousa a peça.”

“À noite?!” Indagou Marc, enquanto Shebeia olhava para ele alarmada. “Por que à noite? Não seria mais prudente avançarmos de dia?”

“Ora, meu amigo, caso isso aplaque suas superstições, podemos avançar durante o dia. Mas só poderemos en­contrar o túmulo que nos interessa de noite. Não é verda­de, minha cara?” E dizendo isto olhou para Shebeia, que cabisbaixa, murmurou:

“Sim, é verdade.”

Marc observou-a perplexo, e depois perguntou friamente ao amigo: “Explique.”

“Olhe para o céu, Marc. Vê como a lua marca a entrada para o Vale? Perceba que as estrelas mais brilhantes for­mam um padrão no céu e se posicionam ao lado do braço da Via Láctea. Aquela estrela alaranjada ao fundo, meu amigo, marca o local onde se encontra o túmulo que nos interessa. As estrelas formam um guia para o Vale, Marc! Nós a usaremos como guias!”

“Como você sabe disso?” Indagou o médico.

“Eu li em papiros antigos. Os mesmos que apresentam o símbolo idêntico da tatuagem no braço de sua compa­nheira.” Referiu Jean Paul à tatuagem de um escaravelho sob uma cabeça de gato no braço direito de Shebeia. “Ela deve conhecer tais segredos muito bem…”

E rindo, foi em direção de sua tenda.

Shebeia e Marc recolheram-se, e Marc interrogou sua companheira e amiga na pequena tenda, gesticulando furiosamente, indignado com o ocorrido:

“VOCÊ SABIA? COMO VOCÊ SABIA?”

A garota estava constrangida, encolhendo-se no canto da tenda, evitando olhar Marc com seus olhos verdes. O médico tentou se acalmar:

“Por que você não me contou? Vamos, Responda!”

“Marc, eu… Desculpe. Tente entender, isso sempre foi um segredo da minha ordem. Eu não poderia contar para qualquer um…”

“Como eu? Um inglês típico? Shebeia, você sabia que viríamos ao Vale; eu lhe contei tudo que sabia sobre a cabeça e sobre Jean Paul e ainda assim você escondeu isto de mim!”

“Eu achei que não era importante… não sei como ele poderia saber disto…”

Marc acariciou os cabelos curtos e a face da egípcia, fa­zendo-a encontrar seus olhos com os dele:

“Shebeia, querida, o que mais você está escon­dendo?’

“Marc, eu…”

“Por favor, sem mais segredos, está bem?”

Ela assentiu com a cabeça e suspirou. Sentan­do-se ereta, começou a falar, enquanto as som­bras formadas pela lanterna brincavam com o rosto da bela awallin, dando-lhe um aspecto surreal:

“Foi Tutmés I quem teve a idéia de construir o Vale dos Reis, separando assim os templos dos túmulos. A idéia era a de esconder os corpos dos nobres de ladrões gananciosos.”

A tarefa, porém não era fácil: rituais apropriados deviam ser seguidos periodicamente e toda construção devia ser secreta. O arquiteto responsável foi Ineni, um membro da minha ordem. O administrador do Vale recebia o nome de Príncipe do Oeste e Comandante dos Soldados da Necrópole, e era ajudado pela ordem sagrada de Bastet em Bubastis.’

‘As tumbas dos reis foram ordenadas na forma de uma flauta de pastor; uma siringe. Os reis e rainhas eram enterrados com todos os seus tesouros, em túmulos sepa­rados, e a ordem de Bastet se encarregava dos segredos que eles levavam consigo…’

‘Não funcionou. Os saques aumentaram e no reinado de Osorcon I, os ladrões pagavam suborno aos guardas do vale. Os sacerdotes começaram então a mover corpos de um túmulo ao outro, na calada da noite.’

A ordem de Bastet resolveu salvaguardar todos os artefa­tos e segredos místicos que repousavam no vale. Eles pilharam todos os túmulos e esconderam essas preciosidades em outros locais, seguindo como orientação estrelas fixas no céu. O que seu amigo disse ter lido deve ser um mapa para estes túmulos específicos. Só não sei como ele o conseguiu ‘

“E o que são os Ghûls, que você mencionou?”, interpe­lou Marc.

Ghûls? Eles são abutres. Não! Eles são piores do que abutres; são chacais! Eles devoram os mortos e se escondem, em cemitérios, atacando quem quer que cruze seu caminho! Esses demônios foram responsáveis pela morte de muitos sacerdotes de Bastet!” Shebeia demonstrava toda sua repulsa e ódio por estas criaturas, com os olhos reluzindo como que em chamas. “Eles são parasitas imundos! Eu…”

Um grito cortou a noite, interrompendo Shebeia. Seguiu-se o som de tiros, novos gritos e então silêncio.

Marc pegou o revólver e saiu com Shebeia, encontrando Jean Paul já fora de sua tenda, ajeitando os óculos:

“O que houve?” Perguntou Marc.

“Não sei, ouvi tiros. Onde estão os árabes?”

O trio correu até uma pequena duna, onde estavam os outros. Encontraram o guia morto, com os árabes agachados sobre ele.

Marc empurrou de lado um dos homens, a fim de examinar o corpo, mal percebendo que o árabe estava mais pesado e curvado que an­tes. Envolto nas suas roupas tradicionais, o brilho nos olhos do homem não foi notado.

“Cristo, olhem para isso.” Comentou o médico, “Sua gar­ganta foi destroçada!”

De fato, o guia apresentava marcas de mordidas na gar­ganta e ferimentos por todo corpo, que pareciam terem sido feitos por garras. O sangue já havia sido absorvido pela areia e um dos seus punhos tinha uma marca de mordida que havia exposto os ossos. A outra mão contorcia-se em volta do cabo de uma jambyia e ao longe esta­va a carabina abandonada no chão. Seus olhos estavam esbugalhados, refletindo as estrelas do vale.

“Ele tentou realmente lutar com alguma coisa” Comentou Marc. “O que ocorreu aqui?”

“Chacais, sahib, chacais.” Retrucou um dos árabes em voz rouca.

O médico ia retrucar não ter ouvido nenhum uivo, quan­do Jean Paul interrompeu:

“É verdade. Eu vi alguns vultos rondando o acampamento antes de me deitar. É bem possível que estivessem atrás das mulas.” Shebeia continuava calada, indo examinar a carabina. “Vamos averiguar. De qualquer modo, os tiros devem ter espantado os chacais.”

Mais que depressa, os árabes concordaram e puseram-se em movimento. Algum tempo depois Jean Paul retornou com notícias:

“Tivemos sorte. Nenhuma mula foi morta. Poderemos continuar amanhã sem problemas.”

“Como assim?” Interrompeu Marc. “Jean Paul, um homem morreu! Seria mais prudente voltarmos…”

“Inadmissível! Não se preocupe; os árabes conhecem uma tumba vazia aqui perto e irão depositar o corpo lá. Eles se encontrarão conosco mais tarde. Além do mais nada mais justo para um guia do Vale dos Reis ser enterra­do junto a eles, não acha?”

Marc deu as costas ao amigo, enojado. Juntou-se a Shebeia, que ainda examinava a carabina. Tanto a ma­deira quanto o metal mostravam marcas de mordidas e algo estava cravado no cano. Com um canivete, Marc extraiu o objeto.

Era um dente canino.

“Isto não é um dente de chacal…” Murmurou Shebeia.

O trio partiu ao amanhecer. Nenhum deles notou, escon­didos na areia, alguns ossos ainda sujos de sangue e car­ne, sem qualquer pele para cobri-los.

Noite. A lua minguante mal tinha brilho para ilumi­nar as sombras do vale. Na frente de uma das tum bas estavam o trio e os dois árabes. Sobre eles ao longe brilhava uma estrela alaranjada, como um alfinete que assinalava o local de uma mariposa morta.

“Chegamos!” Exclamou triunfante Jean Paul.

“Parabéns.” Murmurou Shebeia com frieza. “Agora acon­selho você marcar o local da tumba e prosseguir com esta empreitada amaldiçoada à luz do dia.”

“Concordo.” Tornou Marc.

Jean Paul virou-se para a dupla com um sorriso cruel. Na penumbra das tochas, ele parecia até triste:

“Infelizmente, meus amigos, isto não será possível.”

Ante o olhar espantado do casal, as tochas que os árabes seguravam foram jogadas ao chão apagando-se. Marc ouviu o som de tecido sendo rasgado seguido pelo grito de Shebeia, enquanto algo a agarrava na escuridão.

Apalermado, o médico virou-se em direção dos árabes. Ambos agarravam Shebeia, que se debatia ferozmente. Marc atirou duas vezes em um dos agressores, que soltou a moça. Ela aproveitou o momento e cravou as unhas na face do outro homem.

A lua, até então tímida, lançou sua luz no vale, desfraldando o horror do momento.

O árabe ferido se levantava, levando a mão ao abdome. Mas não eram dedos que comprimiam a ferida de onde sangue negro escorria; mas sim garras duras como obsidiana e grandes como facas, cuja pele que antes as escondia, caía aos pedaços por não conseguir conter o tamanho daquela monstruosidade inumana. Sua face era um misto de cão e homem, com presas amareladas protuzindo pela boca, deformadas demais para serem escondidas pelos lábios monstruosos.

Do mesmo modo, aquele que segurava Shebeia escondia pelos acinzentados de uma face canina por detrás da pele rasgada. A garota se debatia aterrorizada.

Marc mirou trêmulo para a cabeça da criatura, mas antes que pudesse atirar algo lhe atingiu a nuca. O médico largou o revólver e caiu por terra, enquanto os gritos de Shebeia sumiam na noite. Em meio à névoa de inconsciência, Marc pode ver Jean Paul agachado na frente dele segurando uma tocha apagada:

“Desculpe, colega. São os ossos do ofício… Você sabe como é…”

Marc acordou e sua primeira sensação foi a dor constante na cabeça.

Enquanto tentava se levantar, o médico focou a visão. Estava no que parecia ser uma arena circular de terra batida e colunas o rodeavam, unindo-se umas com as outras em arcos, formando três quartos de um círculo. A sua frente estava uma elevação de quase um metro, de granito cinzento, de onde podia ser visto um altar simples. Em cima dele encontrava-se um volume coberto por um pano púrpura, de mais ou menos dois palmos de altura. Apenas velas ao redor da elevação iluminavam o local.

O médico tentou ir até a elevação, mas parou ao perce­ber que estava acorrentado ao chão por um grilhão que lhe prendia o tornozelo.

“Bom saber que está vivo, velho amigo. Temi que tives­se rachado seu crânio.” A voz de Jean Paul vinha detrás do altar.

“Jean Paul! Seu canalha maldito! O que significa isto? Onde está Shebeia? Se você fez algo a ela…”

“Não devia se preocupar com aquela pagã, Marc. Eu a dei de presente aos meus associados. Sabe, eles parecem ter uma certa predileção por tipos como ela…”

Com isto Marc percebeu que não estava sozinho. Das sombras começou a ouvir o ganir de várias criaturas; seus olhos vermelhos ou amarelados cintilando às centenas na escuridão. Um cheiro de carne morta e poeira invadiu o salão e Marc discerniu na escuridão as formas retorcidas de seus captores.

Eram humanóides de face canina e cascos ao invés de pés, cobertos de pêlos cinzas ou amarronzados. Muitos estavam nus, com seus deformados órgãos, machos e fêmeas, à mostra. Outros vestiam roupas ou trapos árabes. Todos tinham presas disformes e eram do mesmo modo, desumanizados.

Atrás de Jean Paul, vestindo um robe decorado e um kefez, estava outra destas criaturas; menor, mais encurvada e acinzentada, apoiando-se em um bordão retorcido. Seus olhos esverdeados tinham um brilho hedi­ondo, como se o próprio inferno consumisse os órgãos daquele ser. Marc tentava se libertar em vão, enquanto um frio cáustico corria por sua espinha:

“Quem são eles? O que querem?”

“Meus associados, Marc! Este ao meu lado é Madiz e fala um pouco de árabe. Parece ser o líder deles. A minha primeira expedição foi devorada por eles… Só eu escapei, graças aos meus conhecimentos e minha disposição em fazer um acordo…”

“Que acordo?”

“O de trazer para eles um sacrifício em troca do artefa­to!” Jean Paul tocou o volume. “Estes, Marc, são Ghûls do velho mundo, sábios nos caminhos da feitiçaria. Madiz, por exemplo, está vivo desde a época dos faraós!” Como que entendendo, os ghûls começaram a uivar “E esta, velho amigo, é a peça que lutei tanto para obter:”

Jean Paul retirou o pano. Sobre o altar estava uma cabeça de latão finamente cinzelada. Ela tinha o tamanho de uma cabeça natural e as faces de um homem. Não tinha cabelos, mas podia-se ver que existia uma espécie de tampa onde seria sua calota craniana. Tanto os olhos como a boca estava fechada, mas podia-se perceber que pareciam apresentar pontos de articulação. Ante o brado e o uivo dos ghûls que cercavam o médico, Jean Paul levantou a cabeça e bradou:

“Eis a cabeça de latão do Papa Silvestre II!”

“Lembre-se, pequena, nós protegemos segredos contra forças negras e às vezes temos de agir como elas. Tanto o gato com quem brinca quanto à pante­ra que espreita nas rochas são servos de Bastet…”

Uma jovem Shebeia tentava ficar acordada na penum­bra do templo enquanto o velho sacerdote lhe ensinava. Mas algo estava errado, e ela sentiu um nó no estômago quando a cabeça do sacerdote foi substituída pela de um chacal…

Ofegante, Shebeia acordou jogada na sujeira e na escuri­dão. Seu traje estava rasgado e ela estava amarrada com tiras de couro cru nos pulsos e nas pernas. Seu rosto re­pousava em uma superfície dura e irregular, que lhe feria a bochecha. Pareciam pedras, embora algumas fossem maiores e mais longas. E havia o cheiro.

Shebeia usou de toda sua força de vontade para segurar a náusea e o desejo de gritar. Seu corpo tremia e suas vísceras se retorciam de asco e medo. Shebeia sabia que estava deitada sobre um monte de ossos, com falanges e costelas, algumas limpas outras mal devoradas, perfuran­do sua pele. Ela estava no depósito de comida dos ghûls.

Lenta e dolorosamente, a moça conseguiu virar o corpo e começou a tentar romper suas amarras usando algum osso afiado. Ao longe, ouvia os ganidos e grunhidos de alguma criatura, mordendo e sugando algo. Shebeia mordeu os lábios e procurou manter-se calada enquanto o osso cor­tava sua pele e as amarras que a prendiam. Ela estava aterrorizada demais para se perguntar onde Marc estava.

Os ganidos se multiplicaram e misturaram-se com o som de luta e de mais mastigar. Shebeia ouviu duas palavras em egípcio; “fêmea” e “refeição”, seguidos de risos guturais.

Solta, Shebeia poderia fugir. Ela precisava saber onde estava Marc. Temia que os sons de mastigação fossem o prenuncio de algo horrível demais para ela suportar.

“Bastet e Sekmet, piedosas deusas, ajudem sua serva. Abram seus olhos.”

Formas cinzentas começaram a aparecer no campo de visão de Shebeia. Ela estava em uma alcova coberta de ossos partidos. Ao fundo havia uma passagem bloqueada por duas criaturas, que disputavam entre si os pedaços de um corpo humano que era sua refeição. Ela tentou, com sua visão mística, reconhecer o cadáver que estava sendo devorado, tentando reprimir o grito de horror e medo que seu instinto humano teimava em formar.

Shebeia esticava o pescoço e contorcia seu corpo, tentan­do descobrir a identidade do morto. Então, um dos ghûls se moveu, descobrindo o rosto do falecido e ela pode ver:

Não era nenhum homem branco. Era o corpo do guia.

Shebeia se sentiu aliviada pelo cadáver não ser de Marc. Sabendo naquele momento que ela e o médico haviam sido traídos, ela decidiu se vingar. Ela encontraria Marc e escaparia.

E arrancaria o coração de Jean Paul.

“Imagine o poder que está ao meu alcance, Marc!” Jean Paul acariciava apaixonado a cabeça, seus olhos com um brilho lunático. O médico tentava esconder o tremor:

“Eu imagino que você traiu seu amigo e assassi­nou friamente outras pessoas em troca de uma peça velha de latão! E por que tudo isto?” Jean Paul riu de forma maníaca, seguido pelos ghûls.

“Você não percebe? Não é um espírito que possui a cabeça, mas vários! Ah… Marc, você não tem idéia das maravilhas deste artefato nem de sua perfeita construção!”

‘Você me pergunta o porquê: Basta saber que quando soube de você bem estabelecido no Cairo, vivendo com uma egípcia, pensei ser uma boa idéia trazê-lo comigo. Especialmente se a egípcia era uma sacerdotisa de um deus obscu­ro… Que direito você tem de questionar meus motivos? Você, dormindo com uma pagã? Deveria se envergonhar de manchar seu sangue inglês! Você é uma vítima casual, meu amigo, o prato principal é a vadia egípcia!”

“Você é insano!”

“Talvez, mas não estou acorrentado. Nem serei devorado.”

Os dois ghûls disputavam a sorte com dedos corta­dos do morto a respeito de uma porção de carne. Não perceberam um vulto se levantar atrás deles até ser tarde demais.

Como um leopardo, Shebeia saltou sobre os ghûls. A força do impacto lançou uma das criaturas de cara dentro do abdome do corpo que devoravam. O outro demorou um instante para perceber o ocorrido; o suficiente para receber em sua têmpora o golpe de um fêmur humano, fazendo-o cair para trás.

Sujo de sangue e entranhas, o outro ghûl levantou a cabe­ça. Com um rosnado animalesco, Shebeia rasgou os olhos da criatura com suas unhas fortalecidas com magia. Ela juntou um grito de triunfo ao grito de dor da criatura quando atacou novamente; agora a garganta do ghûl, partindo sua pele coriácea e expondo os delicados vasos protegidos por músculos. Foi com uma satisfação selva­gem que Shebeia banhou seus braços com o sangue quente desses vasos enquanto o ghûl perecia.

O outro ghûl se levantava. Shebeia estava ao lado dele e golpeou-o uma, duas, várias vezes com um fêmur, até ouvir o som do crânio dele rachar com um estalo seco. Shebeia continuou golpeando por mais algum tempo.

Ela soltou o fêmur e encostou-se à parede, arfando e suando. Olhou para suas mão cobertas de sangue negro e sentiu espasmos percorrerem seu corpo. Shebeia se ajoe­lhou no chão sujo e vomitou bile amarga, tremendo e se contorcendo enquanto lágrimas corriam por sua face. Ela tinha chamado pelo aspecto violento de sua deusa e tinha sido atendida.

O abismo havia olhado de volta para ela.

Marc tentava desesperadamente ganhar mais tempo. Os ghûls fechavam o cerco ao redor do médico en­quanto Madiz afiava as garras no beiral da platafor­ma, de costas para Jean Paul. Este por sua vez, expli­cava o poder da cabeça:

“…Ela não só permite que eu acesse conhecimentos antigos. Permite que eu os reproduza. Só é necessário o mate­rial adequado.”

Absorto, Marc tentava raciocinar em como escapar, e perguntou, como que por acaso:

“Que material?”

“No momento, meu amigo Madiz aqui.” E dizendo isso, sacou de um machete e decapitou o velho ghûl.

Madiz teve tempo de emitir um ganido curto e mais nada. Marc e os ghûls olhavam abismados para o corpo sem cabeça do velho ghûl enquanto Jean Paul erguia a cabeça decapitada. Os ghûls observavam o sangue jorrar do corpo de seu líder, perplexos e sem compreenderem o que ocorrera. Jean Paul sorriu:

“Talvez se você não estivesse acorrentado, poderia apro­veitar e fugir comigo, Marc. Bem, você servirá para atrasá-los o suficiente. Au revoir!” E partiu pelo corredor atrás da elevação.

Os ghûls mantiveram-se em silêncio até o corpo de Madiz tombar da elevação. Então lançaram em uníssono um brado de ódio e prepararam-se para saltarem sobre o médico e despedaçá-lo antes de perseguirem aquele que matara seu líder.

Não chegaram, contudo a se aproximar. No meio do cami­nho, recuaram uivando e sibilando ao som de uma voz:

“Na’ghingor thdid eym

Myn th’x barsoom eu’gndar…”

Shebeia apareceu por detrás de um dos pilares. Seus olhos verdes brilhavam um brilho sobrenatural e seus braços e rosto estavam sujos de sangue. Ela murmurava enquanto avançava em direção a Marc:

“…In’garh gire mith’nabor

In’gath non vell’dekk…”

Shebeia postou-se na frente dos ghûls, protegendo Marc. As criaturas se afastavam, repelidas por uma força invisível. Ela levantou o braço esquerdo e uniu o polegar e o dedo míni­mo no centro da mão espalmada. O médico ficou abismado com aquela figura irreal, ao mesmo tempo magnífica e aterrorizante. Os ghûls rosnavam de medo. Ela bradou:

“…Yig Sudeth M’cylonum

M’xxlht Kraddath Soggoth

lm’bltnk Nog S’dath bleamed!”

Os ghûls se afastaram como se feridos. Shebeia voltou-se para Marc:

“Não temos muito tempo. Vamos sair daqui. Agora!”

“Shebeia, meu deus! Você está coberta de sangue! O que houve?”

Ela traçou um símbolo estranho no grilhão de Marc e este se partiu com um sonoro clac. O médico olhou apalermado:

“Como…”

“Psss! Venha, por aqui!”

Shebeia arrastou-o pelo corredor atrás da elevação e ambos se perderam na escuridão. Marc tropeçava cego nas pedras do túnel. Shebeia, porém, agarrava cada vez mais forte o braço do médico, guiando-o na escuridão. Atrás deles, começaram a surgir gritos e uivos, segui­dos do som de cascos sobre as pedras.

Aproximavam-se cada vez mais.

Marc sentiu uma lufada de vento frio no rosto e parecia que subiam. Na escuridão o médico só tinha consciência da mão de Shebeia enquanto o som de seus perseguido­res ficava cada vez mais próximos, a ponto de poder sentir atrás deles o hálito fétido das criaturas.

Então, ao longe, um minúsculo ponto de luz feriu os olhos do médico. Parecia tão pálido e tão distante! Eles tropeça­ram e forçaram ainda mais o passo. Aos poucos, o ponto luminoso cresceu até parecer uma bocarra.

Marc e Shebeia saíram para a superfície a tempo de ve­rem o raiar do dia no Vale dos Reis. Com os olhos doendo, Marc cambaleou para fora e virou-se a tempo de ver Shebeia traçar o símbolo de uma mão com um olho em seu interior e pronunciar a um só fôlego:

“Você deixará este local que nega a lógica de suas indas e vindas e levará, em nome do Inominado, todos seus asseclas e artefatos consigo e mesmo o pronunciar de seu nome estará perdido para este mundo até que o tempo tenha devorado sua própria cabeça!”

Um uivo partiu da caverna, tão alto e tão terrível, que o casal foi jogado ao chão. O grito silenciou abruptamente, deixando só o silêncio do nascer do sol. Marc se aproxi­mou de Shebeia, erguendo-a. Ela murmurava:

“Oh, Marc… Marc! Foi horrível… Oh, deuses! E-Estamos seguros agora! Eu selei a entrada! Estamos seguros…” E soluçava nos braços do médico.

Jean Paul desaparecera.

Marc e Shebeia retornavam pelo Nilo. A moça ficou muda até Karnak sumir de vista, então contou ao mé­dico tudo que ocorrera, terminando por chorar em seus braços. Marc aconchegou a agora frágil sacerdotisa enquanto ela dormia. Eles subiam pelo Nilo e as estrelas brilhavam mais intensamente, banhando o casal em sua luz suave.

O cargueiro “Promenade” partiria de Alexandria para Istambul. Além de sua carga habitual, trazia passageiro consigo. Embora rúpias tivessem pagado sua pas­sagem, foram libras esterlinas que paga­ram por sua privacidade.

Jean Paul depositou dois volumes sobre a mesa. De um deles partia um cheiro forte e desagra­dável do qual Jean Paul já se acostumara . Do outro retirou uma cabeça de latão.

O conhaque comprado no porto ajudou na repugnante tarefa de abrir o crânio humanóide que trouxera consigo e de lá retirar o cérebro. O restante da cabeça canina foi lançado ao mar pela escotilha.

Tomando mais um gole de conhaque, Jean Paul abriu a tampa da cabeça de latão e colocou o cérebro recém adquirido em seu interior, fechando a tampa logo depois. Respirou fundo e observou o artefato. Este cérebro em especial, que segredos guardaria?

Preparou papel e lápis e sentou-se de frente para a cabe­ça, murmurando:

“Estou pronto para começar.”

Pálpebras de latão abriram-se revelando um brilho avermelhado e lábios, antes cerrados, começaram a se mover mecanicamente.

Jean Paul Visant começou a escrever.

FIM

MARCO POLI DE ARAÚJO

Violadores de Túmulos

O violador de túmulos originou-se como parte da mitologia árabe. Esteve presente em diversos contos de As Mil e Uma Noites. Os violadores de túmulos representaram um aspecto mais demoníaco dos jinns, os espíritos da mitologia árabe. O ghul árabe (masculino) e a ghulah (feminino) viviam perto das sepulturas e atacavam e comiam cadáveres. Acreditava-se que os violadores de túmulos moravam em locais desertos onde poderiam assaltar viajantes incautos que os confundiam com um companheiro de viajem, sendo dessa forma desencaminhados. Ghul-I-Beában era um violador de túmulos particularmente monstruoso que se acreditava habitar os desertos do Afeganistão e Irã. Marco Polo, refletindo sobre os relatos de violadores de túmulos que ouviu durante duas viagens, sugeriu que violadores de túmulos, grifos e boa fé eram três coisas a que pessoas faziam referência freqüente, mas que não existiam.

Os violadores de túmulos retornaram à cultura popular no século XX através de uma enxurrada de filmes de monstros. Os novos violadores de túmulos eram parecidos com vampiros na medida que reanimavam pessoas mortas de forma humanóide apesar de se alimentarem de carne humana. Agiam também sem intenção e sem intelecto e pareciam ser, de certas forma, derivados do zumbi – a figura do folclore haitiano que alegadamente voltava a viver através da magia e era fadada a trabalhar a serviço da pessoa que a reavivara.

Um caso do século XIX, o de Fraçois Bertrand, é um exemplo popular de comportamento idêntico ao dos violadores de túmulos. Bertrand, um oficial não-comissionado do exército francês foi detido após ter entrado no cemitério e ter violado vários túmulos em Paris. Foi condecorado e sentenciado à longa pena em 1849 após confessar ter uma incontrolável compulsão para dilacerar os cadáveres de mulheres e de meninas. Sua história se tornou mais tarde a base de um romance popular, The Werewolf of Paris, de Guy Endore.

Os violadores de túmulos modernos, na realidade um misto de violador/zumbi, foram apresentados em dois filmes dirigidos por George Romero: Night of the Living Dead (1968) e Dawn of the Dead (1979). Night of the Living Dead retratava os mortos retornando à vida por meio de uma espécie de radiação, para comer seus pares humanos. Os mortos-vivos andavam devagar, eram limitados em suas ações e podiam ser destruídos por um projétil ou uma pancada na cabeça. Embora pudessem ser mortos com relativa facilidade, em grupo poderiam sobrepujar indivíduos ou pequenos grupos, tais como os que, no filme, estavam confinados à casa da fazenda. Night of the Living Dead e Dawn of the Dead parecem ter inspirado uma série de filmes italianos destacando uma variação do violador/zumbi, conforme exemplificado no filme City os the walking dead (1983) de Umberto Lenzi.