domingo, 26 de agosto de 2012

*Το ένατο ώρα*

Muitas vezes, Marçal acorda na madrugada, levanta-se, vai ao banheiro e volta a dormir.
O mundo imerso em penumbra e silêncio....

Talvez por algum fator biológico - ou incrível acaso - a hora que isto acontece é sempre por volta de três horas.
Às vezes três em ponto, outras faltando pouco, ou passando um pouco.
Jamais havia prestado atenção a isto; até o dia em que começou a ouvir sons estranhos, como rugidos de animais ferozes.
Sentindo um arrepio sempre que ouvia esses sons.

Passados alguns dias deste estranho fenômeno, Marçal notou o horário: era sempre aproximado às três da madrugada.
E os sons começavam a ficar cada vez mais audíveis à medida em que os dias passavam: rosnados, vozes abafadas, gemidos e gritos -bem ao fundo, estrangulados.

Em busca de algo que explicasse tão bizarra ocorrência, começou a pesquisar, a procurar na internet. Encontrou referências a algumas religiões.
Mas quando procurou representantes destas religiões, foi algo bem frustrante: quase ninguém sabia dar explicação plausível, na verdade nem sabiam sobre o que ele falava.

Todos, menos um padre, que disse conhecer alguém que poderia ajudar.

Outro padre - já bem idoso - que vivia em um convento, praticamente isolado e pouco contato tinha com o mundo exterior.
Seria difícil falar-lhe, foi-lhe advertido, mas ele precisava tentar.
O padre Jayme (assim se chamava o que deu a informação) disse que tentaria contato.
Depois de muita dificuldade conseguiu.

Ai! Melhor não houvesse conseguido...

Foi ao encontro do tal padre.
Chegando lá, não pode negar (embora houvesse se esforçado) o susto ao vê-lo:
O sacerdote aparentava ser bem mais velho do que realmente era, sua fisionomia mostrando linhas de dor e sofrimento profundo.
Apresentaram-se e Marçal começou o relato dos acontecimentos que o levaram ali.
Padre Anastácio fixou seus olhos esgazeados em Marçal; olhou-o como se enxergasse-lhe a alma, e perguntou:

--Filho, tu realmente queres saber o que estes fatos significam? Estás preparado para saber o que tenho pra revelar?

Marçal, com certa relutância, respondera que sim.
Apesar do medo súbito que tomou-lhe o ser, ele precisava saber.

Padre Anastácio suspirou fundo, ajeitou-se numa cadeira - tão velha quanto ele - e perguntou:

--Tu sabes a hora em que Cristo morreu?

Marçal confessou não saber: tinha uma ideia vaga de que fora à tarde, mas não sabia a hora.

--Sexta feira, na Το ένατο ώρα”, como dito nos escritos gregos, a Nona Hora, ou 15 horas no sistema atual, respondeu o padre.  Quinze horas, ou 3 da tarde. Percebes?

Marçal:

--Não entendi o porque da pergunta.

--A que horas você costuma ouvir os sons? Perguntou padre Anastácio.

--Três da madrugada. Respondeu Marçal.

--Vês alguma ligação? Algo familiar? Questionou Pe. Anastácio.

E continuou:

--Os demônios satirizam o sacrifício de Nosso Senhor e usam este horário, três horas da madrugada, para festejarem, para se alegrarem em regozijo.
Aproveitam para andar pelas ruas, assustando quem por elas anda desavisado e fora de hora.
Algumas pessoas são mais suscetíveis a isto e acabam acordando perto deste horário, acabam ouvindo coisas. E, com o tempo, acabam vendo coisas...
Os sons que tens ouvido nada mais são que demônios expressando seu ódio e todo seu desespero: se arrastando pelas ruas.
Eu aviso: quando tu começares a vê-los, eles também ver-te-ão, e passarão a procurá-lo para se exibirem e o atormentarem com tal exibição.
Não sei se é o que esperavas ouvir, mas é o que tenho para a dizer.
Infelizmente.

Percebendo o terror nos olhos de Marçal, Pe. Anastácio, com um suspiro que pareceu um lamento agonizante, continuou:

--Com o passar do tempo, tu não somente os ouvirás, mas também verás coisas que tua mente jamais imaginou existir.
Agora tu sabes a razão de eu estar aqui; isolado e protegido neste convento: Somente terreno sagrado os detém! Apenas o Espaço de Adoração os pode impedir!

Durante muito tempo Marçal apenas ouvia os sons, cada vez mais altos, mais nítidos. E orava noites a fio, implorando jamais vê-los...

Finalmente, uma noite, começou a vê-los e não conseguiu mais dormir: o medo de acordar e defrontá-los, imenso. Experimentou soporíferos – em vão – pois sempre acordava à Hora Nefasta.
Há noites não dorme.
O que viu é algo aterrador, que ele deseja jamais ver novamente.

Hoje, Marçal está de mudança para o Convento e dividirá o quarto com o padre Anastácio.
Por medo e terror, pediu auxílio a um primo seu Pe. Lucindo.

Os demônios são impossíveis de descrição.
São o mal encarnado.
São o ódio vivo.
Existem.